Vimos no tópico anterior que o art. 333 do CPC estabelece o seguinte: “O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:
I - recair sobre direito indisponível da parte;
II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito”.
Bem, conforme Costa Machado, “ônus é o encargo processual (não é obrigação nem dever) cujo não-desincumbimento acarreta um gravame previamente estabelecido. O não-desincumbimento do ônus de provar, assim como regrado pelo dispositivo, gera, em tese, a perda da causa pelo não-reconhecimento judicial de fato relevante (dizemos ‘em tese’ porque a norma contida neste art. 333 não é absoluta)”.
Viu, pessoal? A regra do art. 333 do CPC não é absoluta, pois temos também o princípio da aptidão para a prova ou da prova como já vimos no tópico anterior.
O inciso I estabelece que se o fato é constitutivo do direito, cabe ao autor provar. Isso é, segundo Costa Machado, “fato constitutivo é aquele que é apto a dar nascimento à relação jurídica que o autor afirma existir ou ao direito que dá sustentação à pretensão deduzida pelo autor em juízo. Normalmente, ao autor é atribuído o encargo de provar vários fatos constitutivos e não apenas um; tudo dependerá da maior ou menos complexidade da causa de pedir apresentada na petição inicial. A conseqüência do não-desincumbimento do ônus da prova pelo autor é o julgamento da improcedência do pedido...”.
Já o inciso II estabelece que se o fato for impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, cabe ao réu prová-lo.
Mas o que vem a ser fato for impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor? Costa Machado conceitua da seguinte forma: “os fatos extintivos, modificativos ou impeditivos correspondem às chamadas defesas de mérito indiretas ou exceções substanciais (...). Fatos extintivos são a decadência, a prescrição, o pagamento, a remissão, o desaparecimento da coisa. Modificativos são a novação, a prorrogação contratual, a alteração contratual. Impeditivos são a retenção por benfeitorias, a exceptio non adimpleti contractus, a compensação, a incapacidade absoluta, a simulação, a nulidade do ato jurídico”.
Gosto muito desse conceito. Sempre que tenho dúvidas a respeito de ser o fato da questão impeditivo, modificativo ou extintivo recorro a essa definição.
Veja a questão de concurso público de hoje:
TRT. 6ª Região. Analista Judiciário – área judiciária. FCC. 2006. Ao contestar uma reclamação trabalhista em que o reclamante postula verbas rescisórias decorrentes da despedida injusta, a empresa alegou justa causa para a rescisão do contrato de trabalho. Nesse caso, o ônus da prova incumbe
(A) ao empregador, por se tratar de fato extintivo do direito do autor.
(B) ao empregador, por se tratar de fato impeditivo do direito do autor.
(C) ao empregador, por se tratar de fato modificativo do direito do autor.
(D) ao empregado, por se tratar de fato constitutivo do seu direito.
(E) à parte a quem o juiz atribuir o encargo.
Quase todas as questões de concurso público que cobram ônus da prova dão um caso para analisarmos de quem é o ônus da prova e qual tipo de fato se trata.
A questão contém os seguintes dados:
Empregado postula verbas rescisórias;
Empregado alega que foi despedido injustamente;
Empregador alega que realmente despediu o empregado, mas não despediu injustamente, mas sim por justa causa.
Mas antes de analisarmos a questão de processo do trabalho, vamos estudar também um pouco de direito do trabalho. É importante para entendermos melhor a importância do ônus da prova.
O empregado demitido SEM justa causa tem os seguintes direitos:
Saldo de salário, aviso prévio, férias proporcionais e integrais mais 1/3, gratificações natalinas proporcionais e integrais, FGTS, multa de 40% sobre o FGTS e seguro desemprego.
O empregado demitido COM justa causa tem os seguintes direitos:
Saldo de salário, férias integrais apenas mais 1/3 e gratificação natalina integral apenas.
O empregado, implicitamente, confirmou a demissão e, como alegou outro motivo para a demissão, então o ônus da prova deixa de ser do empregado e passa a ser do empregador. Como vimos, o empregado que é despedido por justa causa recebe bem menos do que o empregado que é despedido sem justa causa. Por isso que a alegação de justa causa por parte do empregador é um fato impeditivo do direito do autor. O autor fica impedido de receber alguns direitos. Pode-se dizer que o empregado apesar de ter pedido aviso prévio, FGTS, multa de 40% sobre o FGTS, seguro desemprego, férias proporcionais mais 1/3 e gratificação natalina proporcionais não tem direito a receber esses valores, uma vez que a despedida por justa causa obsta as conseqüências jurídicas objetivadas pelo autor. Assim, a alternativa correta é a letra B.
Veja a seguinte jurisprudência:
"JUSTA CAUSA - ÔNUS DA PROVA - A dispensa por justa causa, para ser aceita na Justiça do Trabalho, exige prova cabal e incontestável a cargo do empregador, a quem incumbe o ônus probatório, por se tratar de fato impeditivo do direito do empregado às verbas rescisórias." (TRT 16ª R. Proc. 01984-2003-004-16-00-5; Rel. Juiz Ilka Esdra Silva Araújo D J. 12.05.2006) (grifei).
Ônus da prova não é tão difícil quanto parece, né?
Até a próxima questão de concurso público!
Nenhum comentário:
Postar um comentário